Finalizei o artigo: Hungria, México, Inglaterra, Brasil: A Experiência de Minha Família com a Educação Condutiva, que estava escrevendo para o jornal Advances in Condutive Education. Ele já foi lido e aprovado para publicação, que será no primeiro trimestre de 2007, em inglês. O artigo fala da experiência de minha família com Educação Condutiva, aliás, de nossa ‘Odisséia’ com esta filosofia. Assim me falou Andrew Sutton, e, por sugestão dele, publico aqui o artigo em português.
Qualquer um que deseje publicar este artigo em algum outro lugar, por favor o faça na íntegra, citando fonte e contato. De preferência, me consulte antecipadamente. Obrigada.Hungria, México, Inglaterra, Brasil: A Experiência de Minha Família com a Educação Condutiva.
Leticia Búrigo Tomelin Kuerten
leticia.kuerten@gmail.comBirmingham, Dezembro de 2006
Introdução
A Educação Condutiva é um método de trabalho que trata a paralisia cerebral com uma visão holística, entendendo o indivíduo como a união do corpo físico, do seu cognitivo e de suas relações sociais. A paralisia cerebral não tem cura, e nem tratamento. A situação que se forma após a lesão é estática, não muda com o tempo. A Educação Condutiva ensina o corpo a trabalhar de forma funcional, independente de sua condição, visando uma melhora na qualidade de vida do indivíduo..
Este artigo relata a experiência de minha família com nossos primeiros contatos com a Educação Condutiva, desde o momento de planejamento para uma visita à Hungria, posteriormente uma experiência curta no México e por fim nossa vivência por um ano na Inglaterra. Descrevo então a evolução no desenvolvimento de meus filhos nesta experiência, nosso aprendizado adquirido e nossos planos de continuidade na aplicação da Educação Condutiva em nosso país.
Ouvindo falar de Educação Condutiva
Ouvimos pela primeira vez falar de Educação Condutiva através de uma matéria na televisão no Brasil. Falava de um método húngaro desenvolvido principalmente para crianças com paralisia cerebral que proporcionava um modo de vida visando a independência do indivíduo. A reportagem foi breve e proporcionou uma introdução sobre o método e seus benefícios. Mesmo sendo breve a reportagem foi o suficiente para que despertássemos o interesse em conhecer o método húngaro.
Temos filhos gêmeos com paralisia cerebral decorrente de uma infecção e um parto prematuro de 28 semanas. Sempre acompanhamos lado a lado o desenvolvimento de nossos filhos e estamos sempre em busca de novos estímulos para que possamos proporcionar ao cérebro a plasticidade neuronal, buscando promover uma melhor qualidade de vida à eles.
Desde o nascimento de nossos filhos eles experimentaram diversos tipos de terapia, cada uma voltada para uma parte do corpo. Eles fizeram fisioterapia motora, terapia da fala, estimulação visual, terapia ocupacional, hidroterapia, equoterapia; sempre alterando a quantidade de sessões durante os anos. O trabalho sempre foi individual e especializado, cada profissional exercitava uma parte do corpo que necessitava melhora.
Com a convivência adquirida em todas estas visitas, passamos a aprender mais sobre o nosso próprio corpo. Entendemos que nossos corpos necessitem de alongamentos, movimentação e transferência de peso, mas sempre nos questionamos internamente: Quando vamos fazer nossos filhos entenderem que todos este movimento precisa ser funcional para atingir um objetivo? Era certo que precisávamos experimentar algo novo e a Educação Condutiva surgiu em nossas vidas para que pudéssemos conhecer uma nova forma de trabalho e verificar se a prática seria condizente com a teoria.
Partimos para buscar novas informações através da internet e o que encontrávamos estava em sua maioria nos idiomas inglês ou húngaro. Apesar de ler o novo conteúdo não conseguíamos entender o que aquilo significava na prática. Tudo o que líamos parecia adequado e vinha de encontro aos nossos ideais para com nossos filhos, era a resposta para o que sempre nos questionávamos em relação às inúmeras terapias passivas que fazíamos.
A experiência Mexicana
Tínhamos a vontade de ir a Hungria ou Inglaterra, e casualmente descobrimos uma escola de Educação Condutiva no México. Nós moramos em Florianópolis, uma ilha no sul do Brasil, pela distância que estamos da Europa, nos parecia uma viagem longa e arriscada, principalmente por causa da adaptação das crianças com um novo idioma. A escola mexicana estava oferecendo um curso de verão com a duração de quatro semanas. Em menos de um mês estávamos na cidade de Jiutepec, no México, para conhecer a Educação Condutiva (1).
Foi neste primeiro contato que pudemos observar a definição de objetivos, os movimentos com propósito, a intenção e a forma de trabalho ativa que é conduzida para com as crianças.
A Educação Condutiva nos ensinou a ver nossos filhos da forma como eles são, independente do que eles tiveram; permitindo enxergá-los no presente, definindo tarefas para seu futuro. A Educação Condutiva respeita a sua condição e acredita no seu potencial.
Meus filhos tinham recém completado 3 anos e com a experiência de um mês na escola mexicana, percebemos que eles trabalhavam com a consciência de um adulto, com responsabilidade, programação de metas, e valorização no êxito de suas conquistas. Foi a primeira vez que vimos nossos filhos serem tratados de forma igual, trabalhando como adultos, pessoas conscientes de suas tarefas.
Também na escola tivemos a oportunidade de ver alguns vídeos sobre a história da Educação Condutiva e de seu criador, Andras Peto. A cada aprendizado tínhamos a certeza de que estávamos no caminho certo. Era como se tudo aquilo fosse novo e estivéssemos nos moldando a nossa realidade, vindo em frente ao que sempre buscávamos.
De toda a experiência realizada o que mais nos motivou foi ouvir os relatos das palavras da fundadora da escola mexicana em relação ao desenvolvimento de sua filha, e toda sua busca até encontrar-se com a Educação Condutiva. Eram palavras que pareciam minhas.
Investimento para o futuro: Inglaterra
Decidimos então investir um período de nossas vidas no desenvolvimento de nossos filhos com a escola de Educação Condutiva na Inglaterra, em Birmingham. Tínhamos naquele momento mais informações sobre educação condutiva através do site da escola do National Institute of Conductive Education do que em qualquer outro local (2). Iniciamos então uma troca de mensagens sobre nossa história com o corpo administrativo da escola, para podermos dimensionar o nosso novo projeto de vida. Sem dúvida era um investimento de risco.
Um investimento que nos consumiria tempo, afastamento do trabalho, distância da família e principalmente dinheiro. De todas as formas decidimos por investir este capital no presente, para que nossos filhos tenham um melhor futuro, ao invés de guardar o capital para que eles tenham uso no futuro. Fomos seguir o jargão anônimo: “Preparar nossos filhos para o futuro e não o futuro de nossos filhos”.
Antes da viagem vários questionamentos e dúvidas passavam por nossos momentos de decisões. O novo e a sensação de mudança nos desestrutura aparentemente, mas reforça a inserção a novas culturas, adaptação em outro idioma e resolução de novos problemas. É na vivência da situação limite que temos a melhor clareza de idéias para resolver uma situação qualquer. Foi nesta posição que nos encontramos, seis meses depois, quando nos mudamos para Birmingham.
Uma confusão de novas idéias em nossos pensamentos; um novo local para morar, a escola, a cidade, uma nova cultura e o nosso domínio pobre do idioma inglês. Se este era o sentimento dos adultos, imaginemos quais seriam os sentimentos de nossos filhos ao serem transportados para um clima frio (de 2*C), árvores sem folhas, e a primeira experiência com a neve. Somado a isto, o primeiro dia de escola, em um novo espaço, dentro de um grupo de crianças estranhas e condutoras falando um idioma incompreensível para eles, o inglês.
Para nossa surpresa a adaptação foi mais rápida do que esperávamos. Foi neste momento que a experiência que tivemos no México se mostrou ainda viva. Nossos filhos já conheciam os móveis, a seqüência do programa, a musicalidade das ordens, o ritmo e a rotina diária. Era como se conhecessem todo aquele programa, mas sem conseguir unir as pessoas e o idioma. Era como se eles já estivessem estado ali antes.
Em uma semana já se interessavam em ficar na escola e com duas semanas já estavam acompanhando o ritmo do grupo. O inglês também parecia estar sendo incorporado, ao ir embora diziam bye-bye.
Percebemos que o fato de a Educação Condutiva ser em grupo, acelera o aprendizado com a observação, mesmo tendo a compreensão parcial do idioma. Ao ver o que o grupo fazia, meus filhos foram unindo as ordens em inglês, com os movimentos na prática. Com um mês já tinham adicionado várias palavras do novo idioma, além de contar até dez. Em três meses estavam totalmente adaptados, tinham a confiança do grupo e das condutoras para falar ao microfone, citar seu nome e sentir falta dos amigos que não vinham a aula.
Curso de verão em Budapeste
Estávamos adaptados e contentes com a rotina. Percebemos então que três meses na escola foram suficientes para a total integração no país, no método e na rotina; porém seria muito pouco tempo para proporcionar resultados duradouros no desenvolvimento.
Nossa idéia inicial era experimentar a Educação Condutiva na Inglaterra por três meses e então decidir se iríamos permanecer por mais três meses, ou se conheceríamos o Instituto Peto em Budapeste (3). Não ir à Hungria, parecia um pouco insano, já que chegamos tão perto, iríamos experimentar a Educação Condutiva no seu espaço original.
Foi quando nos reunimos pela primeira vez com Andrew Sutton, fundador e atual conselheiro do Instituto de Birmingham e Wendy Baker, diretora educativa das crianças. Discutimos a experiência que estávamos vivendo, nossos planos, nossa satisfação pela escola, a qualidade e profissionalismo dos condutores, o correto posicionamentos das crianças para a execução de suas tarefas com propósito.
Também era o momento de planejar o nosso próximo semestre e nos prepararmos para o curso de verão em Budapeste. No desenrolar de nossa conversa questionamos ao Andrew Sutton sobre o Instituto Peto e nossa intenção de aproveitar nossa viagem para uma visita, alguns aprimoramentos e um curso na Hungria.
Andrew nos respondeu com um exemplo: veja hoje o telefone, nós não sabemos em que país ele foi feito ou por quem ele foi criado; sabemos que ele é útil, funcional e globalizado. Assim é a Educação Condutiva, em qualquer lugar que nós estivermos ela será funcional e se adaptará às circunstâncias, seja do país, da escola, do grupo. Não é necessário ir até a Hungria para saber o que é a Educação Condutiva, ela é globalizada e pode ser vivenciada em qualquer lugar.
Considerando nossa satisfação com a escola de Birmingham, decidimos por não interromper a evolução do desenvolvimento do trabalho realizado e desistimos da idéia de visitar o Instituto Peto neste momento. De uma hora para outra, a idéia que nos parecia tão urgente já não nos apetecia.
Um ano depois: resultados
Estamos por finalizar um ano na escola de Birmingham, e com muito orgulho avalio o desenvolvimento de nossos filhos de forma produtiva. Todo o investimento realizado está tatuado para sempre nos momentos que vivemos, aprendemos e adquirimos. Meus filhos adquiriram maturidade social, interação no grupo, relacionamento com alunos e condutores, compartilhamento de atividades. Aprenderam a observação de suas emoções e avaliar seus comportamentos.
Na questão motora adquiriram equilíbrio para manter-se na posição sentado por algum tempo e de forma independente, assim como na postura de cócoras e gato com auxílio. A postura em pé e a postura orientada para o caminhar com passos foi aprimorado. O rolar passou a ser executado com propósito. A movimentação dos braços para executar funções como comer, escovar os dentes, brincar, também foi bastante desenvolvida. O controle de urina e fezes ainda está em fase de amadurecimento, mas já quase não ocorrem acidentes.
O desenvolvimento cognitivo e a aquisição do idioma parecem ter sido assimiladas sem dificuldades. A respostas às ordens e a solicitação delas em inglês, foram absorvidas rapidamente.
Ao fim de um ano parece termos encontrado harmonia com o grupo, a concentração nas atividades, o entusiasmo em continuar e descobrir novas formas de desenvolvimento. Decididamente nos apaixonamos pela forma de educação que é a Educação Condutiva.
Conclusão
Apesar de estarmos praticamente um ano no Reino Unido, vivemos nossa experiência intensamente. Nos concentramos no trabalho das crianças observando periodicamente a evolução dentro da sala de aula, com a orientação dos condutores, aprendendo e percebendo as diferenças no desenvolvimento.
Também preenchemos nossos momentos com visitas periódicas à biblioteca da escola, estudando a história da Educação Condutiva e sua evolução no decorrer dos anos. Foi lá na biblioteca, que aprendemos, adicionamos conhecimento, e nos interessamos cada vez mais pelo tema e pelo nosso propósito.
Os familiares e amigos que ficaram no Brasil, estavam cada dia mais curiosos e interessados sobre o que estávamos fazendo com nossos filhos, e o que tínhamos como resultado de uma mudança tão significativa. Eles queriam entender o que era esta Educação Condutiva.
Foi quando resolvemos compartilhar de nossas anotações e experiências, que a princípio tínhamos guardado de maneira particular, publicando algum conteúdo em português na Internet. Assim poderíamos colaborar com uma conscientização e conhecimento do método no Brasil. Foi assim que surgiu o blog, Educação Condutiva com amor (4).
Próximos passos
Com a necessidade de continuação deste trabalho nos empenhamos então em iniciar um projeto no Brasil. Para isto queremos introduzir e iniciar um grupo de crianças, em idade pré-escolar, que trabalhe a Educação Condutiva junto com meus filhos. Temos muitas dificuldades pelo caminho, mas já temos um espaço, os equipamentos necessários e uma condutora com bastante entusiasmo para iniciar.
Neste novo momento de mudança oferecemos e aceitamos o desafio de introduzir o conceito de Educação Condutiva em Florianópolis e região, mostrar na prática o trabalho com nossos filhos e formar um novo grupo que tenham a oportunidade de conhecer este método. O alto nível de qualidade de vida e o baixo custo para viver em nosso país, abre portas para os condutores em busca de aventura e desafios profissionais.
A energia do aprendizado que tivemos continuará reverberando por algum tempo e iremos aproveitar esta motivação para iniciar um projeto piloto e esperamos que seja muito promissor.
Referências
(1) Website Escola Connosotros, México –
http://www.morelosweb.com/connosotros/(2) Website National Institute of Conductive Education, Inglaterra –
http://www.conductive-education.org.uk/(3) Website Instituto Peto, Hungria –
http://www.peto.hu/(4) Website Blog Educação Condutiva com amor, Brasil –
http://educacaocondutiva.blogspot.com/